18 outubro 2012

Neverland

Tinha planejado o passeio, por quase o mês inteiro. O destino já era batido, nada novo ou especifico. Desde os seus 4 anos conhecia aquele lugar. Poderia descrever cada milimetro de terra dê lá, com os olhos fechados. Cada árvore, cada montanha, o ponto exato de cada curva, a entrada certa a cada próxima bifurcação na estrada de terra. Mas sempre que pra lá ia, suas emoções se perdiam dela, entrando num mix de marasmo e nostalgia sem controle. Parecia entrar em um túnel do tempo, ultrapassar dimensões, voltar a pontos exatos de sua vida. Quando estava lá, tudo era estranhamente magico. Os dias pareciam não passavar, o ponteiro sequer avançava um segundo. Tudo parecia paralisado, estagnado. Morto. Não se ouvia o som do vento, as nuvens estavam congeladas como icebergs, o sol mais parecia uma simples luminária, daquelas que tem a luz "abafada" por um adorno qualquer de tecido estampado engomado e cafona. Os ruídos a sua volta eram tantos, de tantas coisas juntas (natureza, crianças, aviões, animais, falação ao longe...) que quando fundiam em seu ouvido, acabavam que se dissipando ao fim dos seus tímpanos em nada. Nada que se pudesse distinguir ou nomear. Nada que se pudesse querer ouvir, admirar. O que estaria acontecendo a sua volta? O que estaria acontecendo por dentro? Dentro de seus pensamentos, do lado interno de seu peito. Com seu coração...

... Enquanto subia as escadas, pensava em muitos momentos. A cada degrau, um suspiro mais longo, um piscar mais lento, um taquicardia de usurpar o fôlego. O fato de estar ali, já a inquietava. As lembranças do seu passado eram muito claras, as emoções da mesma, já a faziam sentir-se mais "down" que o habitual. Não por serem lembraças tristes, e nem por não serem excitantes demais, afinal, eram ambas ao mesmo tempo. O que a deixava assim, era não saber discernir qual mais. Se por estar ali, se por voltar lá, tudo estava confuso demais. Quando abriu a porta do sótão, os filetes de sol atravessavam os vãos da porta da sacada, fazendo fachos de luz por todo o cômodo. As minusculas partículas de pó, estavam nítidas flutuando entre os raios, pareciam dançar para recebê-la. E embora isso fosse apenas a imaginação fértil dela, a ideia de ser recebida com festa, a fez sorrir. Ficou ali de pé por alguns minutos, observando atentamente o balé de todo aquele pó, que aos seus olhos, mais pareciam porpurinas do que particulas, que se atiçaram com o movimento brusco ao abrir a porta. Dado certo tempo, visualizou movimentos mais delicados, e o tal pó, agora era parecido com rastros. Como se algo passasse por ali e deixasse sua marca. Na hora pensou nas fadas. Seriam? Lentamente fechou os olhos, e ao abri-los novamente a dúvida se dissipou tão rápidamente quanto a certeza. Viu passar rapidamente diante de seus olhos, uma sombra. Era uma fada? O rastro ficará nos filetes de luz,é claro que aquilo não era somente poeira acumulada, não poderia ser. Não ali, não naquele lugar que fora por tantos e tantos anos, magico, não ali, no palco de seus contos, nos esconderijos de seus sonhos. Era mesmo o " de pirlimpimpim". Assim que se deu conta do fato, seu coração bateu acelerado, e achando estar somente pensando, murmurou num tom um pouco mais alto. "Porque não mais as vejo?" 

(Silêncio) 

Levou as mãos contra os olhos, respirou o mais fundo que pode, mas devagar, bem d e v a g a r. Nada! Não viu nem ouviu nada. Frustrada caminhou até a porta da frente, e abriu as duas partes da porta. O sol invadiu de vez acabando com os filetes e com talvez, o suposto "bailar das fadas". As folhas estavam por toda a sacada. Secas, velhas, sem vida, estavam como ela, apagada. Levou a palma da mão ao acento de uma das cadeiras, bateu as folhas e a poeira e sentou-se. Do ponto em que estava, podia ver quase todo o condomínio. As montanhas ao longe, onde quando criança com os amigos, fazia piquenique. As árvores aonde subia pra se esconder quando brincavam de esconde esconde, ou quando queria fugir de um castigo, de uma bronca, ou de algo que momentaneamente não sabia como resolver. As ruas aonde aprendeu a andar de bicicleta, pular mãe da mula, o banco aonde brincavam todos os verões de "pêra-uva-maça-salada mista", o fim da rua, a rua sem saída, o lugar aonde deu seu primeiro beijo apaixonado. As casas dos amigos com quem passavam as férias, fins de semanas, a casa de sua avó, aonde morou, aprendeu, cresceu. A sua casa... a casa em que morou. (este ponto lhe rendeu muitas pausas, muitos suspiros, segurou pra não chorar, segurou o riso, não conteve seus sentimentos e num repente, fazia tudo junto sem conseguir retomar o juízo) Sacudiu a cabeça, esfregou o rosto, levantou-se e apoiou os cotovelos na varanda. Se deu alguns minutos pra recompor as emoções, e assim que se sentiu outra vez no controle, olhou para baixo. No lugar do lago, uma piscina, as ruas estavam cheias de postes e luzes, e ao invés das lareiras de antigamente, saídas de ar-condicionado. As casas tinham se multiplicado, era comum agora, o barulho de freadas e buzinas. Embora fossem menos que nas grandes metrópoles, já tinham alcançado aquela cidade. As estradas não mais eram de terra, o asfalto avia chegado até as áreas rurais e a cada cem metros, tinha um orelhão (sim, existem torres de celulares por lá, mas graças a Deus, o sinal ainda é bem fraco).  Ela olhava indignada para tudo aquilo. Revoltada talvez. Por mais que aquele lugar fosse parte dela, fosse o lugar aonde ela passou a maior parte de sua vida, o lugar aonde construiu emoções, aonde muitas vezes perdeu suas razões, não parecia ser lá,não parecia ser o cantinho pra aonde ela sempre corria, quando queria fugir, se esconder, escapar. A árvore gigante que subia, quando pequena, agora lhe parecia tão pequena, não parecia mais um lugar tão seguro pra se esconder. O milharal no fim da rua sem saída, já não era mais assustador, como lhe parecia ser aos 8 anos. As ruas não tinham nada, nada além de pedras e canteiros. E por mais que andasse e percorresse os quatro cantos por horas, não encontraria mais ali, a essência do querer, a vontade de encontrar, o desejo do aprender. Nenhuma das ruas lhe chamava mais a atenção como foi outrora. Estavam todas mortas. Estava tudo morto.


O que aconteceu com o "era uma vez...". Aonde estavam os duendes? Quem silenciou o uivo do lobisomem? Para onde foi a Bruxa má? Porque não mais se ouviam barulhos estranhos no meio da mata? Porque ela não sonhava mais? Porque ela não acreditava mais nas pequeninas fadas? 

Teria Ela, se curado do "Complexo de Cinderela"? Teria Ela enfim, crescido? Aquelas perguntas a sufocavam. Era como se ela tivesse saído de um choque anafilático. Mas porque, porque naquele dia? Teve tanto tempo pra crescer, passou por tantos momentos que fatidicamente a fariam amadurecer. Atravessou tempestades, lutou contra demônios, superou e ultrapassou obstáculos, se fez mulher diante da vida, sem perder a graça de ser menina. O que estaria acontecendo com todos os seus princípios? Eram perguntas demais, pra resposta nenhuma. E quanto mais ela se questionava, mais perdida nas perguntas se via. Pensou em pular, mas tinha muito medo de altura. Pensou em descer as escadas, mas estava tão tomada pela nostalgia, que até pra se levantar, faltava energia. Pensou em gritar por alguém, mas ao mesmo tempo que queria ajuda, queria ficar sozinha. Então resolveu por não fazer nada. E este nada, levou mais algumas horas que embora parecessem não passar, seguiram com ela arrastadas. E enquanto o azul anil perdia espaço para o negro, seu coração que antes parecia pesar toneladas, como a meia lua que surgiu no centro do céu, se igualava. Parecia mais leve, batia mais calmo, tão lentamente que se não fosse pelo seu respirar, acusaria um óbito, certamente.

Enquanto ficou ali com suas memórias. Se deu conta do que de fato estava acontecendo com ela. Não deixará de ser criança, nem tampouco tinha crescido (não completamente). Só estava amadurecendo. Estava deixando seus medos, e deixar o medo se esvair de dentro, a fez sentir medo. Estranhamente compreendeu que tudo aquilo que acreditava, que fazia questão de acreditar, eram apenas maneiras que encontrava de lutar. Lutar contra seus maiores temores, seus receios. Depositava sua fé nos contos e fabulas, pra ter algo com que se defender. Compreendeu que suas utopias, nada mais eram do que campos de força. Como aquela redoma de vidro que o Pequeno Príncipe colocou em sua Rosa. Os duendes, o lobisomem, a bruxa, os bichos que rastejavam na mata... estavam lá porque ela os colocará lá. Viviam ali, porque ela, lhes dava vida. Ela não era mais uma menina, não só. Não tinha mais que temer, não precisava mais sentir medo. Não de suas fantasias. Estava livre, livre de todos aqueles fantasmas. Estava cheia de novas sensações, estava se dando espaço para novas emoções, mas porque, ainda assim... sentia-se tão vazia? Será que deixar toda aquela fantasia se esvair e sumir no tempo com sua infância, iria mesmo fazê-la mais forte, iria mesmo ajudá-la a crescer de vez? Será que havia chego o momento de se tornar mulher completa por dentro, tanto quanto já há muito, era por fora? Quem sabe!? O que se tem certeza, é que sempre que ela vai até lá, até aquele lugar aonde ela chama carinhosamente de sua "Neverland" particular, ela volta diferente. Diferente de quem foi, de quem é, de quem quer ser.Volta sempre deixando uma parte dela por lá. Talvez pra que um dia, aja um ponto de restauração, onde ela possa voltar e recomeçar. Talvez pra que quando finalmente ela consiga dizer que não acredita em mais nada, que não quer e não sonha com mais nada, ela possa ter na parte que lá ficou, um fio de esperança, uma luz no fim do túnel, uma senha secreta que a faça voltar de dentro do poço que por si só, se atira quando não consegue encontrar saídas. Talvez porque a metade dela que lá fica, seja a parte mais forte, mais madura, mais crescida. A parte dela, que não deixa de acreditar em fadas, que mesmo sendo a mulher mais forte, jamais deixará de ser também, a sua metade menina.
Por. Bell.B

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigada por partilhar comigo, o que você pensa!