15 agosto 2012

Alguém que Conheci


Há muito tinha mudado a rotina. Voltado a fazer coisas que tinha deixado de lado. Tinha retomado o hábito de ler. (não sabia ao certo porque tinha parado, adorava ler, talvez houvessem maiores prioridades, talvez quisesse se fazer mais presente, talvez porque ler a roubava do mundo. Quando lia, esquecia-se de si mesma, virava o livro, vivia o personagem, suas emoções voltavam-se todas a história, talvez fosse isso, talvez...) Nem protelava mais, quando os passeios apareciam. Sempre tinha compromissos e sempre gostou de ir a festas, reuniões, mas "antes", mesmo gostando de tudo isso, cumpria sua agenda, fazia a social, comparecia nos eventos que não podia recusar e os fazia com o coração na mão. Embora fosse divertida, bagunceira, "pau pra toda obra" como a chamam por ai, queria fazer tudo correndo, rápido, só para voltar. (acreditava que alguém a esperasse tão ansioso por sua chegada, quanto ela, por voltar. Tinha quase certeza de que fazia tanta falta pra ele, quanto a falta que sentia ela, dele. Mas essas, eram as sensações dela, as certezas dela. Nada nunca é tão certo pra alguém, tanto quanto é pra nós.) Certa vez, notou que todas as suas "supostas certezas" eram exatamente iguais a "prédios construídos na areia". Sempre muito observadora, possuidora de uma "desconfiómetro"  aguçado por demais, começou a se sentir de lado. E entre enumeras sensações que poderia ter e que pra ela, eram perdoáveis, esta, era uma que nunca, jamais, não entre eles, poderia acontecer. Juntou os fatos, analisou o contexto da situação, e antes de concluir a sentença, deu o beneficio da dúvida. Mas esta sequer foi usada, como quem pede, implora, só não fala, o veredicto dela foi executado. A aceitação veio muita fácil. O que a fez compreender, que realmente o que achava, não estava errado. Mas como alguém, alguém que a conhecia como ele, poderia imaginar que ela não fosse notar? Como alguém que dizia não só a ler e ouvir, mas sentir, seria capaz de imaginar, que ela não sentiria? Algo estava errado, e ao contrario do que sempre acontecia, desta vez não era com ela. Muito lhe foi dito, e quase tudo a fez "quase acreditar" de que era ela a vilã da história. Porém como diz o velho e bom ditado, "a verdade tarda, mas não falha". 

 O tempo realmente foi passando, as cartas foram amarelando, os CD's juntando pó na estante, e os DVD's, rs... ela nem os via mais. No começo era tudo latente, ela por ser altamente carente, mesmo que não lesse, ora e outra, pegava todos aqueles papéis e os espalhava sobre a cama do lado direito e passava horas tocando as folhas com as pontinhas dos dedos. (talvez na tentativa de ocupar o espaço vazio no lado esquerdo da cama) Vez e sempre, apanhava os CD's, os colocava no sofá e sem precisar colocar nenhum para tocar, por saber de cor e salteado até a ordem em que as músicas estavam, os ajeitava ao lado das almofadas e se esticava no centro do tapete. (colocar os CD's ali, dava ela a impressão de não estar só, e deitava-se no tapete, porque dele, podia olhar o teto, e o teto dela, automaticamente à levava ao teto do quarto dele) No dia em que apanhou os 2 DVD's, pra diminuir a saudade, suprir a ausência, matar a falta, sentiu uma avalanche cair sobre sua cabeça. Se deu conta de que nunca passaria, a tortura não acabaria, seus sentimentos não deixariam de atormentá-la. Enquanto ela mantivesse perto, ao alcance, juntas, todas as coisas que à fizessem se lembrar, a dor não passaria. Naquele dia, com os filmes nas mãos, e com todas as demais "lembranças" ao alcance de sua visão decidiu. Hoje é dia de faxina. Correu a cozinha, apanhou uma caixa e nela, colocou todos aqueles objetos incríveis, maravilhosos, especiais que embora fossem partes de sua vida, as machucava tanto. A primeira ideia que veio a mente, foi atirar fogo em tudo, queimar de uma vez o que não parava de arder nela. Mas alguém como ela, não seria capaz de tal feito. Abriu o guarda-roupas, puxou os cobertores e muito delicadamente, colocou a caixa no fundo e voltando as cobertas, sumiu com tudo aquilo da sua frente. Os primeiros dias foram difíceis, volta e meia, estava ela na frente do armário, num duelo entre o que sentia e o que precisava fazer para parar de sentir. Em algumas noites, se contorcia entre as cobertas, abafava os gritos contra o travesseiro, chorava compulsivamente. Parecia estar com dores físicas e deseja estar, porque o que sua mente produzia, a fazia quase delirar, (as mentais eram bem mais fortes) como em uma dessas crises fodidas de abstinência química. Insuportável, assim foram algumas semanas. Chegou a chutar uma ou duas vezes a porta do guarda roupas. Agora o seu maior rival não eram as lembranças que estavam dentro da caixa, era a merda da porta e das cobertas que estavam por cima dela. Foi forte, foi leal a si mesma, como nunca forá. Cumpriu o que se impôs, e num repente se deu conta. Tinha passado. Será?

Resolveu se testar. Sabia que se apanhasse a caixa, talvez caísse na besteira de fazer uma cagada das grandes. (tocaria os cd's, colocaria os filmes e leria todas as cartas) Na verdade isso seria uma "over-dose" talvez sem chances de recuperação. Então optou por puxar a memória, não o que estava guardado na caixa, mas todas as últimas palavras ditas, as ultimas coisas que viu com seus próprios olhos. Sentiu no âmago, essas "memórias" doerem um pouco. Mas desta vez, esta dor a fazia mais forte. Sacudiu a cabeça, abriu o guarda roupas, (lado o posto do lugar das cobertas) escolheu um look, foi ao banheiro, passou seu rimel e seu gloss (até pra ir na padaria fazia issoe saiu. Não tinha rumo, não tinha compromissos, o dia era dela, pra ela. Seguiu. Caminhava com seus fones, com suas músicas, com seus pensamentos ecoando, recuando, enchendo sua mente de ideias e sensações. Quando ergueu a cabeça, apertou os olhos perguntando a si mesma "o que estou fazendo aqui?". Não fazia ideia de como tinha ido parar lá, na verdade não tinha se dado conta de que tinha andado tanto. Enquanto estava de pé, tentando (se) entender, viu a porta da frente se abrir. Feito criança assustada, como se devesse algo, ou fosse uma criminosa, correu pra trás de uma árvore e com o cantinho dos olhos espiou. Ele saio com um saco nas mãos, era lixo (quase não o reconheceu). Veio até a beira da calçada, ergueu a tampa e jogou o saco lá dentro, (mas ele parecia outra pessoa, não era nada parecido com um "alguém que conheci", tudo naquela pessoa era aparentemente latente. A dor, o cansaço, parecia ter nos ombros umas duas toneladas de fardo). Algo caiu do saco, mas ele não se deu conta e com pressa, voltou para dentro. Ela ficou mais alguns minutos atrás da árvore. O movimento era o mesmo de sempre (nenhum), silêncio (só não total, pelos latidos alternativos do cão), tudo como era antes, antes dela estar por ali. Ressabiada e muito lentamente, foi se aproximando do portão.  E quando se aproximou totalmente, reconheceu o objeto no chão (cabo rosa com detalhes em branco). Sorrio, e surpresa consigo mesma, tomou o rumo de casa (não sentiu vontade de apanhar o objeto, não sentiu necessidade de olhar para trás, mas se sentiu um tanto quanto estranha com aquilo tudo... uma estranha "leveza", talvez ele tenha devolvido a ela a parte dela que faltava. Não pela matéria usada, velha e atirada no chão feito um nada. Mas o valor, a importância, a emoção que até aquele momento, nela faltava, será que tinha passado no teste? Será?). No caminho, pensou em muitas coisas, mas quando entrou em casa, executou a que até aquele momento, não havia passado pela sua cabeça. Foi até o guarda roupas, jogou as cobertas no chão, e com as mãos tremulas apanhou a caixa. Tinha se passado pouco mais de um mês, e desde então, era a primeira vez que ela se aproximava daqueles "guardados" sem sentir dor.

Colocou a caixinha no chão ao seu lado por alguns instantes, recostou no armário e passando cada um daqueles objetos entre os dedos, foi capaz de sorrir de leve, um riso doce, sem mágoas, sem rancores, sem a raiva que condensava seu rosto a semanas atrás, e mesmo visualizando mentalmente o outro objeto, o que tinha sido jogado, esquecido, deixado por ele, como se não fosse nada importante, não sentiu vontade de dar o troco, em momento algum, desejou ter feito o mesmo, com todas as coisas que a faziam se lembrar dele. Ao menos não agora... (embora tenha sentindo uma vontade enorme de atear fogo em tudo, logo que juntou tudo na caixa). Curiosamente, a sensação que teve com aquele momento, a fez não só entender, como ter certeza, de que não importava mais, quais os motivos que o levaram a se desfazer de algo dela, quais as razões que o levou a desejar, ela definitivamente fora do que fazia parte do mundo dele. Ela ainda estava nele, e o pior, ela se fazia presente em algo que não pode ser descartado, destruído. Ela estava não só dentro, como nos sentimentos dele. E fora isso, que o fizera agir daquele jeito. Ingenuamente ele se livrou de algo, que ela deixará em sua casa. Mas seria ele, capaz de se livrar do que que ela deixará dentro dele?

Ela foi até a sala, devolveu os 2 filmes a prateleira, voltou os CD's a estante, e as cartas, rs... ... Bem, essas continuam dentro da caixa, mas não mais socadas no fundo do guarda roupas.  Agora elas ficam ao lado do seu porta jóias. Vez e outra ela as apanha, não as lê, apenas as segura nas mãos e as aperta contra o peito (embora tenha quase certeza de que tudo aquilo nelas, sejam apenas "verdades inventadas" foram muitas vezes aquelas palavras, que deram sentido a sua vida tão perturbada). Hoje, seus dias já não são mais tão cinzas e as coisas aos poucos, estão voltando a ter graça. Nenhuma daquelas coisas a fere mais, nada mais a faz sofrer ou achar que estava errada. O tempo a ajudou a entender que... não importa o que você deseje ou queira para alguém, se o que esse alguém "quiser" for melhor para ele, do que o que você deseja que seja... O seu querer, deixa de ser algo que valha!
Por. Bell.B 

2 comentários:

  1. Esse alguem morreu... tanto pra si quanto pro mundo. Não há nada mais que segure esse alguem aqui.

    Guardo o gosto pelos números pares (meu celular desperta as 9:14), guardo algumas cartas (as outras, daquele outro blog, eu não tinha salvo =/ )

    Agora não sobrou muita coisa... nem mesmo a vodka. Tsc.

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  2. Guardo sonhos, guardo vontades, guardo momentos, como se eu fosse mesmo capaz de alcança-los em uma caixa, como todas as cartas. (todas) Perdi muita coisa no passado, por ser movida a impulsos, rasgava mesmo, ateava fogo, sumia com tudo, como se eu fosse conseguir deletar minha memoria. Era sempre em vão... depois de alguns anos aprendi, existem palavras/cartas momentos/imagens sentimentos/canções, que não se deve nunca apagar. Eles fazem parte do que somos hoje, nos mostram o que queremos ou podemos ser amanhã.

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