22 agosto 2016

Ela (Resgate) II

Dois finais de semana se passaram desde o dia que decidiu ter coragem. O dia havia sido puxado, problemas familiares, cansaço emocional, mental. Farto. Precisava literalmente sair, ir para um lugar sem quaisquer chances de trombar um conhecido ou que houvesse qualquer coisa que o remete-se ao caos de onde queria fugir. Estava parado no estacionamento do “pub” há alguns minutos. A neblina de cigarro dentro do carro era tão densa quando a garoa do lado de fora. Fumou uns dois ou três enquanto dedilhava o volante e ouvia música numa estação de hits anos 80/90. Definitivamente não estava a fim de entrar. Queria fugir pra um lugar aonde não precisa socializar, porém ali, inevitavelmente ora ou outra teria que “ou dizer as mais atiradas que estava esperando alguém ou no mínimo acenar e pedir ao barman mais uma dose” ou teria de desocupar o lugar. E embora o ambiente não fosse o que de fato procurava (silencio, calmaria), por alguma razão ele se dirigiu pra lá (jamais assumiria, queria vê-la. Maldita mulher). Quando estava prestes a desistir de se purificar no inferno, a viu pelo retrovisor. Dois minutos depois, entro atrás dela.

Desta vez não sentou, apenas caminhou na direção de onde ela estava. Seu coração batia descompassadamente, mantinha as mãos nos bolsos porque provavelmente elas tremeriam e delatariam seu nervosismo, mentalmente contava até cem e dizia a si mesmo para controlar a respiração, não queria ofegar ou ter sua voz embargada pelo nervosismo. (o tal dia chegará, mesmo atrasado) Passou pela multidão, parou por alguns segundos na frente dela e antes que pudesse usar qualquer uma das frases que ensaiou, aproximou os lábios do seu ouvido e murmurou algo que nem mesmo ele se recorda ao certo o que foi, mas que deu muito certo. Ela afastou delicadamente o rosto e consentiu com um sorriso. Incrédulo mas envaidecido a segurou pela mão e a conduziu para fora. Na porta ela olhou pra ele e quis saber pra onde iriam. (era isso que ele havia sussurrado “vamos pra um lugar mais calmo”) Ele a puxou para o seu carro, abriu a porta e assim que ela entrou, deu a volta. Ali dentro havia um misto de cheiros. Cigarro, perfume masculino, aromatizador. Ela pediu pra que ele baixasse pelo menos um dedo de vidro. Não pelo cheiro, até porque, ela tinha gostos peculiares e este combo de odores era desses. Mas pela sua fantasiosa “claustrofobia”.

Acabou que não foram a lugar algum. E sem perceber, ficaram ali por horas, ele contou a ela que há muito o observava e ela confessou a ele que já sabia. Riram de coisas incomuns, idiotas e compartilharam gostos parecidos, perceberam familiaridades em algumas experiências de vida, desabafaram situações que nem mesmo os mais íntimos sabiam. Houve ali uma sintonia, uma ligação que alguns filósofos diriam ser de outras vidas. O sol timidamente vinha surgindo, o céu estava com tons alaranjados e roxos e só se deram conta do amanhecer quando o faxineiro colocou os sacos pra fora e o dono do bar fechava a porta. Sorriram. Ele puxou o cartão do bolso, ela colocou na bolsa, saiu do carro, deu a volta e debruçou na janela dele. Agradeceu pela companhia e pela noite mais estranha e prazerosa que já havia passado até aquele dia e ele agradeceu por ela tê-lo resgatado (ou se permitido sequestrar). Talvez eles não soubessem, mas naquela noite, tanto ele quanto ela, se resgataram. Combinaram de se encontrar qualquer outro dia. Ele a esperou sair, e embora estive cansado fisicamente, sua mente parecia uma metralhadora voltando cada minuto que passou com ela. Da hora que a viu chegar até este momento. De fato, agora concretamente podia dizer que ela era hipnotizante. Viciante. Era definitivamente como uma dessas drogas sintéticas que criam dependência imediatamente. Queria mais, muito mais. Mas não sabia como teria mais dela. Outra vez seria consumido pelos sintomas de ansiedade. Agora além do bar, das doses, do cigarro, seria a vez do celular. Quando ela iria ligar. Ligaria?
Por. Bell.B

12 comentários:

  1. Algo que instiga minha grande e fértil imaginação...
    Tal conto é verídico ou algo que você resgatou do fundo de sua alma?

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    1. Digamos que eu esteja "floriando" algo que aconteceu, mas ñ distante. (De um ponto de vista meu, porém com bases nos fatos que acredito "que a outra pessoa" sentiu.

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  2. Já vi que vou ficar muitos dias na expectativa. Um melhor que o outro. Adoro vir aqui e te ler. Ligou? Conte-nos. Não demore a postar não.

    Legal saber que existe verdade no meio desses contos, por isso ficamos tocadas mesmo quando te lemos.

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    1. "Brigada" querida. (Penso que seja menina, caso não, me corrija por favor) Eu tenho umas coisas estranhas com "contos" ou mesmo pra escrever coisas pessoais. Tem vezes que a inspiração não me deixa dormir e escrever passa a ser algo incontrolável e noutras as palavras ficam na garganta mas travadas. Tudo é muito complexo em mim rs

      Mas desta vez, parece que irá fluir bem. Logo conto se houve a ligação. Bjs

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  3. Essa coisa de pontuar o sentimento. "... Farto...." gosto desse seu novo estilo. Ler essa tua nova faceta só me mostra o quão vasto é teu repertório literario.

    Agora, terminar com uma pergunta é "tão eu" (pseudo-escritor com ciume do estilo) que chega a me brotar um fino sorriso no canto dos lábios, quase uma vontade sutil de te "desafiar" a escrever. Sem expectativas, sem "prêmios"... só pelo prazer de escrever quebrando a cabeça pra deixar o outro em uma cilada... mas agora não sei se te faço o convite. Não quero quebrar a magia dessa tua série... então, por ora, vou ficar aqui quietinho só acompanhando e... dammit, já escrevi demais.

    ps.: só a curiosidade pela continuação pra me fazer abrir o leitor de RSS/FEED no meio da semana.

    Sua vez de me sugerir música, se possivel nacional porque né... eu gosto do idioma haha

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    1. Nunca soube "pontuar" sentimentos. A não ser com (...). Imagino o qnt se segura pra não invadir. Passo por isso qnd viajo nos teus rabiscos tbm. (Certas coisas não mudam. Nunca)

      Mas desta vez, realmente preciso terminar tudo isso, sozinha. Acho que essa inversão me fará ver coisas que eu mesmo tão minuciosa, não fui capaz de perceber.

      Ando meio (ema), nublada. Daí o que tenho ouvido não lhe agradará muito. (Se bem o conheço) Mergulhada em Legião.

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    2. Oras. Me visita e não deixa um bilhete. Magoei :(

      Eu sei, não falo nessa... an... saga. Falo numa futura.

      Ok dona ema, vamos trocar figurinhas... eis duas que, nos últimos tempos, tem me arrancado lágrimas:
      https://www.youtube.com/watch?v=1Nr_tqkMsJs
      https://www.youtube.com/watch?v=v_zZmsFZDaM

      Juro que não sei o motivo, mas me encanta... e... seilá.

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    3. Gênio do cão (aquele que me trava/impede/segura)... sabecumé?! (Sei que sabe rs)

      Ahhh as lágrimas provocadas por uma canção. Na minha humilde opinião, as mais sinceras. Tem transbordar de sentimentos mais verdadeiro, senão esse, no romper das retinas?!

      Dois em especial, tbm me fizeram sentir assim. Não só pela letra mas pela incrível fotografia e inteligentissima montagens inversas de cenas. (Acho que por eu estar assim, tão fora do eixo me emocionei. Me vi...) Mas ñ é nacional e a banda tbm ñ é tua favorita.
      Up&Up - Coldplay e a outra foda tbm é
      Don't Reserve You - Plumb

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    4. Por alguns instantes eu esqueci do seu gênio maldito u.ú

      E quem disse que eu não gosto de coldplay? Affs.

      Mas e a próxima parte, quedelhe?

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    5. Uma semana de hiato. E nem pra retribuir a visita... ô geniozinho do cão >.<

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    6. Gênio do cão, coração virando pedra e por ai vai. Sem falar a falta de tempo e correria que tem sido minha vida. Enfim... Li Hiato segundos após ter postado. (isso não muda) E não posso deixar de dizer que "como sempre" devorei as linhas. Com tanta fome que me faltaram palavras pra comentar ;)

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  4. Acabei seguindo a lista dos vídeos. Gostei de todas as indicações 😍

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