19 agosto 2016

Ela (Maldita) I

Nos esbarramos numa dessas noites estranhas. Dessas que você sai pra encher a cara e esquecer dos problemas, do cansaço, do tédio. Maldita hora em que fui afogar as minhas magoas naquele “pub”, maldita hora em que ela passou pela porta e imediatamente me fez refém de seu jeito e trejeitos. Ela era aquele tipo de mulher que vidrava os olhos sem precisar de muito. Havia nela uma áurea que ia na contramão das suas atitudes ali. E eu precisava estudá-la mais um pouco antes de me aproximar ou me fazer enxergar. Então passei a ter aquele lugar, como meu laboratório de estudos. Sempre arrumava uma desculpa para ir aquele bar. Mas nunca assumia a mim mesmo o real motivo. Talvez nem mesmo eu, soubesse ao certo. Então se o dia havia sido chato, pesado, estressante no trabalho, lá estava eu. Se o fim de semana não parecia muito favorável e por sorte ninguém ligava combinando nada, lá estava eu. Com um copo meio cheio (ou meio vazio) curtindo o som ambiente e observando as almas que assim como eu, penavam por ali a procura de relaxar, desestressar, descontrair, talvez arrumar com quem trepar. Sempre a mesma mesa, sempre voltado a mesma direção. De onde estava, podia avistar não só a pista, como o balcão e a porta...

... Maldita porta. Maldita expectativa. Maldita ansiedade. Esta que me fazia consumir doses e doses e divagar sem freios imaginando o momento em que ela adentraria com aquele sorriso estrategicamente contido, com aqueles olhos extremamente compenetrados e astutamente distraídos. Cínica. Ardilosa. Certamente sabia de seus dons e poderes, e cientemente usava isso contra mim, nós. Homens carentes e famintos por afagos na virilidade afrouxada pelos anos e desgastes emocionais. Maldita! Essa palavra passou a ser a minha favorita desde que meus olhos a fitaram. Por não sair da minha mente, por praticamente me hipnotizar, por me atrair como uma presa até aquele lugar, por me render a ponto de não ter como me controlar, esse era o único adjetivo que eu conseguia lhe dar. Foda-se! Ela não sabia mesmo, sequer tinha consciência de que ali dentro, entre mil pessoas, haveria uma (eu), que passou a ser cliente daquele lugar somente por causa dela. Cheguei a pensar certa vez, que ela havia sido colocada ali, propositalmente pelo proprietário.

Hoje dei sorte. Ela veio. Não estava sozinha, alias, nunca estava. E embora muitas pessoas ficassem a seu derredor, seleto era os que de fato a rodeavam. Sempre com um grupo pequeno, onde não importava o sexo, todos os olhos brilhavam ao olhá-la, sua alegria era contagiante. Ao dividir uma bebida, ou partilhar um trago, ou dançando com ela. Sorrisos largos, olhares fixados, que diabo de mulher era aquela? (ainda me faço essa pergunta) Nunca intimamente com ninguém, e intima de todos aqueles que estavam com ela. Comecei a sentir ciúmes, coisa de maluco isso. Ciúmes de alguém que nunca toquei, falei, que sequer sei quem de fato é. E daí? Desde quando se controla sentimentos e se tem as rédeas das emoções? Assim atravessei alguns dias, uns dois meses talvez. A fitando de longe, me incomodando com os mais próximos, com os mais atrevidos que ao mostrarem certa "ousadia" levavam fora, me incomodando comigo mesmo por não me aproximar. Bebia, fumava, observava. Acho que tomei gosto nisso (estava virando um voyeur?). Frequentar bar e chapar tinha virado meu passa tempo favorito. Ainda não conseguia admitir pra mim mesmo que embora estivesse cercado de substancias viciantes, nem o álcool nem o cigarro me faziam tão dependentes quanto ela.

Semana que vem vou dar um basta nisso. Vou mostrar que em mim, que nas minhas vontades quem manda sou eu. E se eu for lá, desta vez vou falar com ela. Juro que vou!   
Por. Bell.B

7 comentários:

  1. Cade o resto? Estava com saudade dos teus contos. Agora vou ficar me roendo de atualizar pra ver o resto. * ansiosa* 😓

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    1. Logo postarei o restante 😜

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    2. Parabéns, as crônicas estão incríveis.

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  2. "O Bar-man oferece-me uma pequena porção de amendoim. Cortesia do puteiro. Encosto-me no balcão e examino as prostitutas. Duas conversam com os clientes. O lugar está vazio. Outras duas fumam. As demais conversam entre si e uma delas come um espetinho de carne. Está sentada no canto do sofá com um prato de farinha apoiado nas pernas. Um homem sai do banheiro.

    A mulher deixa cair farinha no queixo, passa a mão na boca e ajeita o cabelo. Chupa o polegar esquerdo e segura o espeto com a mão direita. Olha rapidamente o esmalte das unhas. Gordura de carne bovina estraga o trabalho da manicure.

    O apetite da piranha é uma incógnita: quem confiará naquela boca para um sexo oral. A prostituta termina o espeto e diz: “Vou escovar os dentes”. Profetizo: “Ainda hoje um pênis incauto sairá daquela boca cheirando a menta..."

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    1. (Gosto muito deste conto do Fontenelle, mas prefiro está parte.)

      Imagino estar diante de um tipo raro de fetiche. O marido prostitui a própria mulher para em um dia incerto procurá-la na zona. Fingir que é um cliente qualquer, entrar na fila de espera. Especular o preço, o nome e a idade da profissional. Nasceu em São Paulo. Gosta dessa vida de mulher perdida?

      O bar-man me explica não se tratar do verdadeiro marido, mas um cliente tão constante e fiel, que a prostituta gosta de tratá-lo desta forma. Era o marido.

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  3. Se eu tenho predileção em escrever em gênero diferente tu irás pelo mesmo caminho?

    A proposito: uma playlist de músicas passou pela cabeça enquanto lia... ei-la

    9 de Espadas - Entre cafés e cigarros
    Skank - Ali
    Engenheiros - Piano Bar
    Engenheiros - Refrão de Bolero

    tinham mais algumas... mas essas quatro (par?) sobressairam

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    1. Quem diria, logo eu que achava "do meu ponto de vista" isso tão estranho, agora consigo ñ só compreender como também escrever com inversão de papel.

      Sobre a playlist... O que dizer? Incrível!!!
      Sobre Engenheiros nem preciso comentar, a outra ñ conhecia, mas só o título já me fez gostar antes mesmo de ouvir (e ouvi e adorei).

      4... Par... metade do meu número favorito, timbrado de forma preguiçosa (deitado) em minha carne.

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