17 maio 2016

Inquieta Sombra

Dez dias haviam se passado desde seu ultimo porre emocional. Bem que dizem que o inferno astral piora quando se esta próximo de completar anos. E isso não seria diferente pra ela. Na verdade, isso era muito comum, estranho era quando tudo estava no lugar, encaixado, simétrico. Por fim, seguia com suas chagas incuráveis e suas dores latentes dia pós dia. De calejada, a única coisa que de fato lhe pesava, eram as batidas de seu coração. E talvez por habito ou por puro auto sadismo. Ora e outra se esticava no tapete, de luz apagada com um cigarro meia vida entre os dedos e se desligava do mundo para ouvir o ranger em seu peito. Louca? Masoquista? Quem saberia explicar com exatidão o que acontecia com aquele coração sofrido, se nem mesmo ela era capaz de compreender o porque, dele lhe proporcionar tantos desafios.

Aquela madrugada estava estranha, chovia fino, tudo estava descolorido, ela havia discutido outra e mais uma vez com ele, alias, estavam discutindo a semanas. As coisas não estavam e aparentemente não ficariam bem entre eles. E qualquer música, texto, filme poderia arruinar definitivamente seu dia (maldito lado dominador emocional, esse que ela tinha). O que não estava muito longe de acontecer já que quando se encontrava assim, tudo parecia ser capaz de faze-la ruir, suas emoções faziam sua fragilidade emergir e com isso, ela ficava completamente indefesa, vulnerável. e este era um estado que realmente a deixava assustada. Então como era de se esperar, optou por se proteger em sua concha. Não fazia isso por escolha, com decisão, na verdade, nem mesmo ela tinha controle sobre esses estágios inertes e reclusos em si mesma. Quando suas emoções estavam abaladas automaticamente ela entrava num estagio encapsulado, como se o silencio fosse o antídoto contra todo aquele medo, desespero, sofrimento. Autodefesa. Era um processo complicado, delicado, lento... Calar, se encolher, sentir até parar de doer.

Vagava pelos cômodos, sempre com uma xícara de café e um cigarro nas mãos. Vez por outra, olhava pela fresta da cortina. Dali, não podia ver toda a extensão da rua, mas  avistava parte da esquina. Olhou muitas vezes naquela direção. Mesmo tomada de rancor, de decepção, de magoas, ainda brotava nela, por trás da raiva, esperança. E além disso, também seu senso de justiça. Era o certo a fazer. Seria. Se fosse ela, se ela tivesse feito o que ele fez, ela teria ido, ela iria. Mostraria seu arrependimento nu e cru pra quem quisesse ver, saber. Assumiria sua culpa e não justificaria, mas recomeçaria do zero, deixando mais que claro que errar é humano e reconhecer que errou, é ainda mais. Mas... Não foi o caso. Entre goles e tragos, o dia passou, e passou de tal forma que sequer foi capaz de contar as horas em que se perdeu entre a fresta, o tempo e seus pensamentos, que ora queimavam noutras latejavam rompendo de tristeza em seus olhos. A única coisa que conseguiu pensar com discernimento, foi que há muito tempo não se sentia daquele jeito. E por mágica, milagre ou sintonia, aquela sensação a levou a um outro sentimento. Sentiu seu coração subitamente acelerar e o ar desta vez não entrou em seus pulmões junto ao trago. Um som familiar lhe puxou de volta.

Rapidamente se sentou e encolheu as pernas sobre o sofá. Puxou o ar, mas outra vez ele não entrou. Lentamente foi se virando e de joelhos sobre o sofá, com a pontinha dos dedos puxou a cortina. Misteriosamente o céu estava estrelado, ia se perguntar como, pois o dia passou pesado, nublado, cinza (exatamente como ela). Mas antes de formular suas perguntas ao Divino, um raio de luz a fez enxergar uma silhueta. Não era nítida, não era a esperada, mas a familiaridade daquela inquieta sombra, coçou muito levemente seus lábios. Soltou a cortina, recuou ainda mais lentamente de perto da janela e agora seu coração estranhamente parecia que iria saltar pela boca. Estática por alguns segundo ou minutos, não soube precisar exatamente o período do transe, viu um filme passar pela sua cabeça, coisas das quais fez questão de esquecer, outras que de alguma maneira, se proibiu de lembrar, uma avalanche. Estava soterrada de memórias e de perguntas e de coisas que naquele momento não foi capaz de nomear.

Involuntariamente foi caminhando até o lado de fora, a não mais que dez passos do portão pode então ter certeza de quem era a sombra que embora parecesse inerte se mostrava tão inquieta por dentro quanto congelada ali fora. Ela quis correr, quis gritar, quis perguntar o que ele fazia ali, queria saber por quanto tempo e porque, mas nada do que tentou dizer entre ele e os dez passos saiu através de seus lábios. Abriu o portão, nem percebeu que estava apenas de camiseta e pés no chão. Nem mesmo sentiu frio, e quando o destrancou, ela firmou suas retinas nele. Ainda parado, sem dizer ou fazer qualquer movimento. E embora estivesse estilhaçada por dentro e acreditando que nada mais poderia arrumar aquele caos instalado em seu peito, a presença dele a fez sentir uma confortável sensação de paz e euforia. Vê-lo naquele momento (triste, cinza, pesado) foi como ver o arco-íris após um temporal. Esticou a mão sem nada dizer, não era preciso. Não entre eles. Contudo, ainda havia aquela coisa que nunca ninguém, nem mesmo eles saberiam explicar. Uma ligação, uma conexão, uma linha tênue poderosamente imaginária e misteriosamente real, da qual tempo, distancia, brigas, homens, garotas, paixões, jamais os desconectaria. Ela ia além, muito além de tons, tecnologias, física.

A mão gélida e tremula dele agarrou-se a dela. Nesse mesmo instante o sorriso dela estendeu-se serenamente. E ela sussurrou o convite já sabendo a resposta quando o viu franzir de cenho... "Entre, acabei de passar um café".                                                     
Por. Bell.B

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