Lembro
de nós dois como se tivéssemos tido um passado que nunca existiu. Mais
parece a distante memória de algum filme que vi e esqueci o final.
Éramos eu e você, e continuaríamos a ser até onde nos permitiriam.
Dentro da cidade miúda e inútil, cheia de um todo tão vazio que chegava a
doer, te encontrei. Estava numa dessas vielas feitas de pedra que
cortam o Centro. Sentada num batente vermelho sangue de tinta gasta, com
cigarro em punho e sorriso apontado ao sim. Você já era toda você. Um
contraste absoluto que me aprisionou e me manteve teu, até mesmo antes
que eu realmente fosse. Teus ruídos massacravam o silêncio pacato que
nos envolvia, era a voz que existia dentro da voz e dizia muito mais do
que a própria voz queira dizer. Jamais cansei de ouvir, eu devorava toda
palavra, nunca matei minha fome de ti. Quando a noite caía a gente
subia pela rua de trás, acompanhados pelas melhores canções, a lua
observava e testemunhava calada quando por vezes infinitas nossos corpos
derretiam de prazer. Depois do gozo vinha a prosa, não cansávamos de
ser poesia. A madrugada chegava sempre devagar, não dava aviso e nem
esbarrava em ninguém, quando a gente percebia já estava dentro dela e
não sabíamos mais como voltar. No fim, recolhíamos o resto de nós,
fumávamos todos os cigarros e depois as guimbas de todos os cigarros,
porque o fim quase nunca é o fim, sempre resta um pouco mais a viver, a
amar, e nós éramos isso, éramos uma guimba esquecida que depois de
acesa, sempre rendiam ainda mais dois bons tragos que preenchiam a alma e
acalentavam o coração. Você sempre disse que a eternidade nos
enlouqueceria e que nós resistiríamos até que o eterno inexistisse, que
mesmo depois do Apocalipse ainda seríamos nós, e teríamos de nós mil e
uma guimbas pra acender. Mas paramos de fumar e nos perdemos no meio do
caminho.
Por. Frederico Brison
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Dedilhava as marcas em sua pele e era capaz de sentir na ponta dos dedos o relevo da alma... By.CB
18 março 2016
Apocalipse
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Algo nesse texto me puxou, abraçou e se aconchegou... Depois de dividirmos a mesma fumaça, o mesmo desejo.
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