Os seus lábios tão secos e eu não consigo molhar, não é da minha saliva que
você precisa, percebi isso ontem quando vi que você me beijava de olhos
abertos. E depois veio um beijo na testa. Desculpe-me por isso. A gente nunca acerta a peça, você não gosta não se comove, me contou que
também não gosta de teatro, não sente a emoção rodeando a sala enquanto eu
tremo, eu juro que tremo, a cada cena em que a protagonista grita desespero e
abandono no monólogo. Você me jura que prefere não ficção e eu queria que fosse
mentira. Não é nunca foi, você me fez sentir como se eu fosse à atriz do palco,
sentia nada rodeado por mim, não sei nem se chegou a sentir. É que eu sou
ficção e você prefere outro tipo de companhia. Desculpa por isso também.
Sabe o que eu senti quando te conheci? Senti que talvez eu pudesse te fazer
dar uns saltos, umas piruetas, te puxar pra dançar comigo e te perguntar no
meio de um salão cheio de gente se você queria ser meu par. Cê não acha que eu
sei dançar, não é mesmo? O problema pode ter sido esse, a gente pode ter
insistido, eu posso não ter pisado no seu pé, mas você sentiu quando viu que
não dava pra me conduzir. Não rolou. Nem a dança, nem a gente. No domingo eu sou sua segunda-feira, eu peso. Você retruca pra deixar pra
lá, eu tento e você me diz que continua sentindo falta. Sente o buraco e ele
vira abismo pra mim. Vira pro lado e mexe no cachorro, mexe no seu labrador e
eu vejo o carinho, mexe nele e eu sinto como deveria ser. Não é. Eu te entendo,
não sou eu.

Não deu pra te ajudar nas madrugadas de terça porque você estava no cursinho
e eu não entendo de matemática. Não deu pra encaixar a conchinha na cama porque
você tem pavor de que te abracem no calor. Não rolou aquela viagem porque eu
queria Oeste e você sempre ia pro Leste. Não deu pra curar alguma coisa aí
dentro porque não era pra ser eu, não foi comigo que você encontrou algo pra
preencher o vazio.
Mas é uma pena.
É uma pena porque eu realmente queria ter te levado prum deck às 18h em
ponto, queria te mostrar meu pôr-do-sol preferido. Queria ter dito no jantar de
11 de setembro que não tem problema, que você estava seguro comigo mesmo que
não fosse 2001. Queria ter te explicado que todo mundo tem sua tragédia pessoal
e a sua eu faria questão de carregar contigo, seja o fardo ou a parte boa. Eu
queria ter sido suficiente, e dói pra caramba escrever essa palavra.
“Suficiente”, que eu já acho pouco, mas bastava. Nem isso. Não dava. Mesmo que
eu acordasse cedo, mesmo que eu batalhasse, mesmo que eu dissesse que sim, eu aceito
ir com calma. Não era eu. Você sabia que não era eu, nunca disse, tudo bem,
nunca pediu desculpas por isso também. Pessoas vêm e vão. O problema é o que fica. O problema é o que eu sinto com
o que não fica.
Por. Daniel Bovolento