17 setembro 2014

Som & Sabores

Teria sido uma tarde qualquer, um dia comum se não fosse pelo gosto que se formou em sua boca junto a saliva, enquanto olhava para aquele teto-portal e saboreava aquele sorvete. Estava ali já há algumas horas, escutava repetidamente uma play list (uma banda nova por quem, acabara de se apaixonar), viajava aleatoriamente entre os tempos a medida em que as músicas tocavam. Mas em especial, no passado. Embora adorasse o sabor do agora e curtisse muito imaginar como seriam os novos prazeres futuros, nada aguçava tanto suas glândulas salivares como o gosto do passado. Na verdade, ela era tão nostálgica, que parecia sempre ir para trás, quando caminhava adiante (e isso não era ruim, não pra ela). Detestava aquelas pessoas que usavam aquela frasezinha clichê "Quem vive de passado é museu" (Porra! Quem consegue esquecer o que já viveu, não tem moral pra aconselhar ninguém sobre o futuro). Inevitavelmente, mesmo sem querer ou poder prever, ele surgiu diante de seus olhos. Parecia ter sido pintado naquele teto cinza, que agora com sua presença, era de um azul tão vivo, que faria até céu sentir ira.

Cantarolava o refrão enquanto seus olhos sorriram. Poucas pessoas, senão somente ele, era capaz de ver aquele sorriso escondido. Como o beijo escondido no cantinho dos lábios da Wendy. Certa vez ele havia lhe dito que não importavam a quantidade de pessoas que cruzassem seus caminhos, ou por quantas vezes se desviassem, haveria sempre uma forma de se encontrarem. Também uma vez, ela disse a ele que nada, nada neste mundo seria capaz de fazer com que parecem de se comunicar. E de fato, nem mesmo o silêncio, ainda que por vezes extenso, denso, enorme, conseguia de vez os calar. Curiosamente ou sensitivamente, coincidentemente às vezes sopravam pensamentos ao céu e ou a Lua, ou uma nuvem muito linguaruda, se incumbia de entregar o recado. Muitas das vezes, por orgulho, ou por raiva, ou por capricho (e acho que na maioria das vezes era por capricho) tanto um quanto o outro, guardavam esses pensamentos. E ele crescia, (re)virava e (re)vivia tantas coisas entre eles, que acontecia de de repente eles (cor)romperem o silêncio. E quando isso acontecia, era uma invasão de sentimentos, uma mistura de emoções, uma confusão tão grande por dentro, que era preciso uma pausa, um suspiro, um tempo, até que as palavras se ordenassem para que pudessem serem ditas sem receio. Era engraçado como o tempo passava, a distancia aumentava e nada, em absoluto mudava. Ora ele aparecia na letra de uma música, noutras ela o visitava através do vento. Em algumas vezes as nuvens a encaravam com aqueles olhos fixos dele a reprovando ao fumar na janela, em certos momentos ela sorria fazendo careta através do por do sol da laje dele. Querendo ou não, estavam sempre um com o outro.

Sentiu vontade de ligar, de escrever, de contar a ele sobre as sensações que invadiram sua tarde. Queria contar a ele que enquanto degustava um sorvete de menta com chocolate, o gosto que enchia d'água a sua boca não era dos pedaços meio amargos do chocolate e sim do doce da saudade. Mas não ligou, afinal, não queria passar pela desagradável sensação de ouvir um "quem é?" e azedar aquela doçura que invadirá a sua tarde. Preferiu saborear do som e confiar que ainda existia aquela inacreditável sintonia entre eles. Continuou ali, com seus fones de ouvido jogada no tapete da sala embalada pelas canções, degustando da saudade. Fechou os olhos e se focou na presença dele, que daquele teto mágico, a olhava fixamente, como se realmente não fosse preciso ligar, escrever, falar, pra mostrar, dizer, provar que ainda sobre tudo e contudo, eles eram e pra sempre seriam... Eles.
Por. Bell.B

Um comentário:

  1. "... Socorro..." longe do pedido parecer desesperado, era quase como uma senha, aquelas que abrem a grande caverna do ali-baba.

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